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O universo é um lugar para se dançar

Cena de Big Bang. Foto: Fernando Bisan
Como dar conta de contextualizar através das artes da cena e da música, aquilo que a maior parte dos cientistas considera o surgimento do universo? Como desenhar uma narrativa feita de corpos, luzes e sons, acerca de um tema da ciência que, apesar das evidências, soa tão poético quanto acreditar na existência de um ser supremo, que rege a tudo e todos? Se a fé e a ciência são antagônicas, qual o papel da arte nesse lugar de incertezas?
O espírito desbravador dos cientistas e suas evidências que sustentam a hipótese do Big Bang, enquanto construção na qual podemos nos apoiar, seja como explicação plausível ante o mistério do infinito, seja enquanto poesia de acreditar, é o assunto de Big Bang, projeto da cia uruguaia Gen Danza, que teve duas apresentações no Bienal Sesc de Dança, com casa cheia.
A participação de um trabalho como este, num festival de dança, pode confundir os mais incautos: bebendo do teatro, dança, circo e da música, Big Bang denota a pluralidade da dança contemporânea e sua condição refratária a rótulos e definitórios. É uma apresentação para ser vista como um trabalho artístico que dialoga com o universo e a nossa condição de ameba, de pontinho perdido numa folha branca com raio no infinito, de “poeira das estrelas”, como afirma Carl Sagan em sua famosa frase.

Cena de Big Bang. Foto: Fernando Bisan
Em cena, há muita música e muito movimento. Bailarinos e músicos compartilham o palco de parede única, como se fosse um fundo branco infinito. A narrativa sonora, executada ao vivo, é o groove interestelar dos corpos em cena, que ora se contorcem, com movimentos enérgicos, dinâmicos, que se conectam e desconectam uns aos outros, contaminados pela explosão do átomo primordial, do qual fala a teoria cosmológica sobre o desenvolvimento do universo. E o resultado disso é o tipo de coisa que faria Neil de Grasse, famoso astrofísico e apresentador de tv, sorrir largamente.
Quando se encena o caos da criação, tudo pode ser necessário e desnecessário ao mesmo tempo: Uma cinderela usando cueca boxer, uma pessoa envolta num saco de dormir, uma violoncelista, um contrabaixista, um terno alinhado ou desalinhado, uma estética que remete a propaganda de grife famosa. – Afinal, que traje cai bem a um corpo espásmico, aprendendo e desaprendendo movimentos-metáfora das trocas entre universos, estrelas, poeira espacial… Não há coreografia que dê conta, porém a tentativa destes bailarinos e músicos prescinde resultados conclusivos. A plasticidade dos corpos em cena e da empreitada sonora, ora ritmada, ora refratária a partituras, compõem uma paisagem desolada, mas que desperta empatia na medida em que somos nós, também, um apanhado de repetições, de esquecimentos e heranças de repetições, transmitidas geração após geração.
De cientistas a niilistas, passando por religiosos e ateus: Big Bang toma a todos pela mão e convida para dançar com os astros, independente da orientação astral, com sua poética de corpos pulsantes ao som de violino e dj. O mistério do universo está ali, em cena, impávido, austero. O universo é um lugar para se dançar.
Texto de Fernando Bisan, editor web do Sesc Campinas.
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