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Wagner Schwartz: Contaminado pelas vozes do mundo

Convidado para compor a curadoria das ações cênicas na Bienal Sesc de Dança 2017, o performer e coreógrafo brasileiro Wagner Schwartz fala nessa entrevista sobre o papel do curador, suas motivações para a criação de trabalhos artísticos e sobre os diálogos da dança com outras formas de expressão artística.

Wagner Schwartz. Foto: Masayasu Eguchi

Wagner Schwartz. Foto: Masayasu Eguchi

 Quais caminhos nortearam a escolha dos espetáculos?

 Acho importante ressaltar que muitos artistas da dança preferem definir os projetos de dança atuais como “trabalhos artísticos”, título que se aproxima da atividade criativa e retira de seu núcleo a impressão “espetacular”, isto é, do trabalho destinado a entreter o público.

Claudia Garcia, Fabrício Floro e eu avaliamos os vídeos, os materiais enviados e selecionamos um grupo de trabalhos, além daqueles convidados. Todo esse conjunto de informações nos disse qual seria o formato dessa bienal. Ao invés de nos orientarmos por um tema para criar uma programação, preferimos entender o contexto em que os trabalhos estavam inseridos.

É possível identificar eixos temáticos na programação? Você poderia apontar alguns trabalhos que se encaixam nesses eixos?

 O eixo é o contexto político atual, para o qual é preciso olhar, pois estamos no mundo, e suas manifestações estéticas, que é o que nos interessa. Estamos preocupados com as ideias e práticas oriundas do artista que, mesmo vitimado pela negligência política em vários cantos do mundo, propõe, a este mesmo mundo, modos de pensar diferentes daqueles que o obrigam a ser um cidadão.

 Todos os trabalhos programados nessa bienal têm esse compromisso.

“O mundo de hoje rearticula sua existência a partir do reconhecimento dos diálogos e das combinações entre línguas, imagens, gestos online, off-line. O que importa ao artista de hoje é a conjunção. A soma. Uma coisa e outra, e não mais uma coisa ou outra.”

 O diálogo da dança contemporânea com outras formas de expressão, como as artes visuais, é cada vez mais observado na produção atual. Na sua opinião, a que se deve essa aproximação? É uma tendência, um caminho natural?

 Acredito ser importante repensarmos o emprego desse conceito específico de “contemporâneo” que adjetiva a dança. No século passado, ele servia para distinguir uma escola de outra, criar um grupo, uma família. Hoje, no campo simbólico do séc. XXI, com o surgimento da cultura digital, não há mais a necessidade de fomentar rupturas para definir o lugar da arte. A não ser que se queira investir nas antigas definições. Essa também é uma opção. Nos diálogos atuais, é possível falar de dança, conversar com ela, sem utilizarmos um nome e um sobrenome como fazemos nos encontros formais. O sobrenome “contemporânea” esvaziou-se de sua pretensão.

Se formos falar do diálogo da dança com as artes visuais e outras formas de expressão, é preciso não esquecer que ele é mútuo e sempre existiu. Não se trata de uma tendência, tampouco de um caminho “natural” – de toda maneira, não há nada que possa ser “natural” quando se trata de arte. Esse diálogo é uma forma de erudição. O mundo separado em escolas, que alguns especialistas ocidentais tentaram inventar, perdeu o fôlego neste século. O mundo de hoje rearticula sua existência a partir do reconhecimento dos diálogos e das combinações entre línguas, imagens, gestos online, off-line. O que importa ao artista de hoje é a conjunção. A soma. Uma coisa e outra, e não mais uma coisa ou outra.

 Qual ruptura (se podemos chamar de “ruptura”) distingue o uso do corpo no artista de dança moderna, do contemporâneo?

 Não a conheço. E em qualquer um dos casos, o corpo não é utilizado. Ele é contexto.

 Para além da seleção de obras, como você vê o papel do curador num festival?

 O curador precisa deixar de ser pessoa para tornar-se pessoas. Ele não ouve as vozes do mundo, ele está contaminado por elas. Atento ao trabalho realizado pela instituição que o convida, imagina, em conjunto, o que pode vir a ser uma programação que transforme o espaço institucional e o espaço público.

 O que motiva suas investigações e produções em dança?

 Não é possível responder essa pergunta em uma entrevista escrita. Ela foi feita para ser vista. Quero dizer, o tempo que tomei para pensar precisaria ser considerado: ele é a resposta. Nesse tempo de reflexão, frases, imagens, contextos ganham corpo, desestruturando uma formulação linear para uma questão vital.

Às vezes nada motiva, e é nesse espaço que a criação artística aparece. Às vezes, o que motiva é ter nascido num país como o Brasil, em que estar motivado e desmotivado oscila entre os episódios que transitam pela TV, pela mídia, pelas ruas de manhã à noite. Às vezes, o que motiva são as viagens regulares que faço entre dois continentes, entre a dança e a literatura, mas também os encontros gerados nos festivais. Outras vezes são os filmes, as séries, e ainda, a música. Muitas vezes, a música. O vinil. Às vezes, as artes visuais. Ou, talvez, os contos He disappeared into complete silence, de Louise Bourgeois. O album Bright Red, o livro Night life, o filme Heart of a Dog, de Laurie Anderson. A retrospectiva dos trabalhos de Pierre Huyghe no Centre Georges Pompidou. A discografia de Cocteau Twins. Os textos de Patti Smith. A voz lasciva de Gal Costa. Nightwood, de Djuna Barnes. “The nightingale tune”, de Caetano Veloso. O voguing. Hotel Rodoviária, de Danislau. A infância nos arranjos de Tom Zé. Os diários de Maria Gabriela Llansol. A psique de Clarice Lispector. Os arranjos de Emily Dickinson. O Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade, de Oswad de Andrade. A wave, de John Ashbery. A vida de Pagu. Black Mirror. A transcriação, de Haroldo de Campos. São Paulo. Gena Rowlands nos filmes de John Cassavetes. Os eventos são quase sempre os mesmos, de Lourdinha Barbosa. A Poesia Colírica, de Enzo Banzo. A discrição de Eduardo Coutinho. A indiscrição de Jim Jarmusch. A poesia-concreta dos Porcas Borboletas. As peças de Yves-Noël Genod. Marli. Fernanda Bevilaqua. O “multivíduo” de Massimo Canevacci. A casa de vidro de Lina Bo Bardi. Paris. 1980, a peça que disse tudo, de Pina Bausch. A histórica May B, de Maguy Marin. As 13 Piezas distinguidas, de La Ribot. Os barangandãs de Carmen Miranda. Noise music. A dança no Brasil. A Tropicália. Uberlândia. O livro 2 ou + Corpos no Mesmo Espaço, o disco Nome, de Arnaldo Antunes. A exposição The Boat is Leaking. The Captain Lied, na Fondazione Prada. Os parangolés de Hélio Oiticica. Os bichos de Lygia Clark. As cartas de um para o outro. NYC Ghosts & Flowers, de Sonic Youth. Krikor. O início do século XXI, e por aí vai.

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