Ponto Digital

Confira as novidades

A África que dança em Campinas

Relato de Adriana Souza, assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc em São Paulo, que esteve em Ouagadougou, capital de Burquina Faso, para assistir “Do desejo de horizontes”, criação do coreógrafo Salia Sanou que abre a Bienal Sesc de Dança 2017.

Ouaga, Burquina Faso. Foto: Adriana Souza

Ouaga, Burquina Faso. Foto: Adriana Souza

12 de Setembro de 2017

Rumo para casa. Transito frenético, concreto, poluição e buzinas – uma moto avança no sinal amarelo-quase vermelho. Que calor! Tudo convive com naturalidade do caos. Estou em São Paulo, capital, ansiosa. Poderia ser mais um dia, mas não é: estamos a dois dias do início da Bienal Sesc de Dança, em Campinas, com a obra Do Desejo de Horizontes, criação do coreógrafo de Burquina Faso Salia Sanou.

28 de novembro de 2016

Centenas de motocicletas vão e vêm, por ruas nem sempre asfaltadas, em movimentos coreografados e arriscados. A trilha sonora, uma sinfonia de sons de buzinas e gritos nervosos – as motos não respeitam o sinal fechado. Uma densa poeira flana, sem atrapalhar a direção dos homens e das mulheres que pilotam em duas rodas. Que calor! As crianças, quando não carregadas nas costas de suas mães, brincam e correm pelas ruas, onde senhoras lavam as louças sem água encanada. Com a terra, esfregam grandes panelas. Todas as cores do mundo estampam as vestimentas. Os corpos, vibrantes.

Estou em Ouagadougou – ou apenas Ouaga, como é carinhosamente conhecida a capital de Burquina Faso – para participar da 10ª Trienal Danse L`Afrique Danse. Chego ao continente africano com informações enviadas pela organização do festival e os resultados de minhas pesquisas. A cidade não figura nos roteiros mais divulgados da África e tudo poderia contribuir na construção da imagem desse lugar que acabo de conhecer.

A caminho do CDC, Centro de Desenvolvimento Coreográfico La Termitière, um dos locais de apresentações, observo tudo que acontece do lado de fora do ônibus e formo as minhas próprias impressões de Ouaga. Também penso no Brasil, em São Paulo. Penso no que nos aproxima e no que nos distancia. Nas motos, nos sons, nos corpos, nas cores, na dança, nos sabores. No singular e no plural. Penso no trabalho que estou prestes a assistir: Do Desejo de Horizontes.

Ouaga, Burquina Faso. Foto: Adriana Souza

Ouaga, Burquina Faso. Foto: Adriana Souza

Estar na África, tão longe, tão perto do Brasil, evidencia o sentido de diferentes casas possíveis, o que é familiar, o que é raiz e pertencimento, territórios e fronteiras. Salia Sanou faz isso no palco e dança o exílio, em especial aquele que trazemos em nosso corpo-lugar, a partir de uma pesquisa desenvolvida em campos de refugiados em Burundi e em Burquina Faso. O artista faz do dançar um meio de encontro para africanos oriundos de diferentes países: seis bailarinos, um contador de histórias e dois jovens refugiados. O festival, inclusive, apresenta-se como uma janela sobre a criação coreográfica africana, dinâmica e heterogênea, que reafirma a arte diante das adversidades do mundo.

Em uma semana estarei de volta ao Brasil, a São Paulo, ao centro da cidade. Estarei em casa, uma oportunidade que, infelizmente, muitos dos refugiados não possuem. Volto, mas sinto que não sou mais a mesma: a experiência de vivenciar Ouaga, ainda que pontual e curta, desloca-me para outras realidades, novas percepções e sensações.

Setembro de 2017

Estou ansiosa. Revisito as minhas memórias de uma semana em Burquina Faso e essas me despertam para o sentimento de alteridade e para a potência da arte para refletirmos sobre questões urgentes do mundo contemporâneo. Depois de amanhã estarei em Campinas e um pouco mais perto de Burquina Faso.

Que esta Bienal possibilite a todas e todos um encontro consigo mesmo e com o outro. A África, dança; Campinas vai dançar também.

Baixe o Guia de bolso e aproveite!